Todos os anos, a campanha Novembro Azul busca orientar a população masculina sobre os cuidados com a saúde. O objetivo principal é conscientizar sobre o câncer de próstata.
A próstata é uma glândula do sistema reprodutor masculino que fica abaixo da bexiga. Ela não está presente apenas nos homens cis, que se identificam como homens e foram designados como homens no nascimento.
Além deles, as pessoas que têm próstata são:
- travestis: são pessoas que vivem uma construção de gênero feminino, oposta à designação de sexo atribuída no nascimento, de acordo com a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). Esse processo é seguido de uma construção física, de caráter permanente, que se identifica na vida social, familiar, cultural e interpessoal, por meio dessa identidade;
- mulheres trans: mulheres que apresentam uma identidade de gênero diferente da que foi designada no nascimento, segundo a Antra;
- pessoas não binárias (cuja identidade de gênero não se limita a masculino ou feminino) que foram designadas com o sexo masculino no nascimento;
- algumas pessoas intersexo, nascidas com alguma variação natural nas características do corpo atribuídas ao sexo (genitália, cromossomos, resposta hormonal), de tal forma que não são contempladas pelas concepções binárias do que seria tipicamente masculino ou feminino, de acordo com a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade.
De acordo com o urologista Willy Baccaglini, da comunidade de saúde da Alice, todas as pessoas com próstata precisam cuidar da saúde de forma integral e abrangente.
“A questão fisiológica não tem a ver com a identidade de gênero. O fato de você ter uma próstata faz com que você tenha que procurar um acompanhamento e um cuidado específico para o seu próprio corpo, independentemente de quais mudanças você tenha feito”, enfatiza.
Há estudos que apontam a relação entre o tabagismo e o excesso de gordura corporal como fatores de risco para o desenvolvimento de formas agressivas do câncer de próstata.
“Assim, entendemos que a prevenção do desenvolvimento desse tipo de câncer passa pela adoção de bons hábitos alimentares e do estilo de vida em geral”, completa o médico Rafael Pereira, do Time de Saúde da Alice.
O rastreamento do câncer de próstata pode ser considerado a partir dos 50 anos. Evidências científicas apontam, no entanto, para limitações dos exames disponíveis.
Por isso, é importante consultar seu Time de Saúde ou profissional de confiança para avaliar os possíveis benefícios e riscos dos exames.
Devido a fatores genéticos, essa avaliação com profissional de saúde se torna mais importante se a pessoa com próstata teve pai ou irmão que recebeu diagnóstico de câncer na glândula antes dos 60 anos.
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A próstata em mulheres trans
Artigo científico publicado pela Revista Lancet alerta sobre os riscos de câncer em pessoas trans. “Homens e mulheres transgêneros permanecem suscetíveis a cânceres de órgãos reprodutivos que não estão mais alinhados com seu gênero. Aqueles que foram submetidos à cirurgia de redesignação de sexo podem não estar cientes da possibilidade contínua de câncer reprodutivo devido ao tecido residual que permanece após a cirurgia”, reforçam os cientistas.
Mulheres trans que fazem a cirurgia reconstrutiva genital não têm a próstata removida devido à possibilidade de efeitos colaterais, como problemas urinários e danos aos nervos.
A próstata tem como principal função, juntamente com as vesículas seminais, produzir o sêmen, que faz o transporte de espermatozóides.
Esse fluido pode continuar sendo produzido por mulheres trans na excitação sexual, mas, como os testículos foram removidos, não há produção de esperma.
Os casos de câncer de próstata em mulheres trans são pouco frequentes, conforme registram pesquisas. Um estudo feito na Holanda com 2.281 mulheres trans, que foram acompanhadas por 14 anos em média, identificou seis casos.
“Isso resultou em um risco menor de câncer de próstata em mulheres trans do que em homens holandeses”, registra o estudo.
Barreiras emocionais no acolhimento de trans
Estudo publicado na Revista Nature estimou que, no Brasil, há três milhões de pessoas trans ou não binárias.
No grupo transgênero, 85% dos homens trans e 50% das mulheres trans relataram sofrimento devido às características corporais relacionadas ao gênero.
Outra pesquisa identificou as principais dificuldades enfrentadas pelas mulheres trans na prevenção ao câncer de próstata:
“As barreiras ao cuidado da população feminina transgênero incluem o acesso a recursos, déficits de conhecimento médico, ética dos cuidados médicos relacionados à transição, diagnóstico versus patologização de pacientes transgêneros, restrições financeiras do paciente e determinantes do sistema de saúde.”
Para o enfermeiro João Bragiola, do Time de Saúde da Alice, todo paciente deve ser bem acolhido e receber atendimento multidisciplinar.
“É importante se desvincular de uma perspectiva heterocisnormativa, baseada no sexo biológico, para oferecer um atendimento transinclusivo, em que direitos básicos não sejam negligenciados, como, por exemplo, chamar pelo nome social ou respeitar o uso do banheiro conforme a identificação de gênero. O atendimento precisa ser destituído de preconceito; é preciso entender que existem outras perspectivas de ser e de existir”, afirma.
Esse posicionamento coincide com as conclusões de pesquisadores que analisaram o atendimento oferecido às mulheres trans.
Após revisarem artigos da literatura médica, diretrizes e práticas relacionadas ao tema, eles constataram que, além de protocolos em linguagem adequada, “melhor treinamento e compreensão são necessários para garantir que todas as necessidades de saúde [das mulheres trans] sejam atendidas da melhor forma possível”.