Por Mario Ferretti, médico e diretor da Alice
A medicina avançou tanto nas últimas décadas que realizar apenas uma consulta médica pode acabar parecendo uma medida simplória, não trazendo segurança suficiente. Dessa forma, pessoas, e inclusive alguns médicos, acabam solicitando exames em excesso, conseguindo, assim, uma falsa sensação de segurança: acreditam que estão completamente saudáveis, mas, na realidade, muitas vezes esses testes são desnecessários – mais que isso: podem até ser nocivos.
Parece paradoxal, mas é isso mesmo: <h3_pink> exames em excesso podem causar danos à saúde, por complicações inerentes a determinados procedimentos, além de gerar custos que são desperdícios e encarecem o sistema de saúde. <h3_pink>
A seguir, vamos nos aprofundar em cada um desses fatores:
Achados sem relevância clínica
Os incidentalomas são tumores encontrados em exames radiológicos que não causam nenhum comprometimento clínico, geralmente benignos e, mesmo quando malignos, são de baixa agressividade, sem consequências para a saúde. Para ter uma ideia, separei abaixo quantos incidentalomas são encontrados em alguns exames comuns:
– Colonografias por tomografia computadorizada: registram uma média de até 70% de achados incidentais
– Tomografia computadorizada de abdômen: mostram incidentalomas renais e hepáticos em cerca de 15% dos indivíduos
– Ultrassonografias de tireóide: 67% mostram nódulos assintomáticos (1)
A presença desses incidentalomas <h3_pink> pode deixar as pessoas ansiosas e preocupadas, <h3_pink> levando-as, muitas vezes, a mais intervenções para investigações ou até tratamentos desnecessários – fatores que podem causar morbidade e até a morte em indivíduos portadores de lesões inofensivas. (2)
Complicações à saúde
Exames como raio-x e tomografia computadorizada possuem um efeito cumulativo e aumentam a chance de câncer por radiação, principalmente em crianças. (3) As punções venosas para coleta de sangue parecem inofensivas, mas um estudo recente mostra que 52% de pessoas apresentaram complicações, sendo que 5% das complicações foram consideradas seríssimas e precisaram de intervenções cirúrgicas. (4)
Desperdício
<h3_pink> Um estudo mostrou que 24,9% dos exames solicitados eram desnecessários. <h3_pink> Os profissionais alegaram como motivos: o medo de fazer uma má prática, a pressão da população e o incentivo financeiro para pedir mais exames. (5) Logicamente isso cria um custo adicional, encarecendo e sobrecarregando o sistema de saúde.
Como solucionar esse problema?
Vale destacar que outras áreas da medicina, como <h3_pink> a epidemiologia, a medicina preventiva e a medicina baseada em evidência <h3_pink>, também se desenvolveram muito nas últimas décadas, nos oferecendo embasamento científico para não realizarmos exames desnecessários.
Algumas instituições trabalham para evitar a má prática e os exames desnecessários, como a Choosing Wisely, que promove conversas entre médicos e pacientes, ajudando-os a escolher o cuidado baseado em evidência científica, não duplicar exames já realizados, agir sem riscos de danos à saúde e cuidar verdadeiramente do que for necessário. (6)
A boa consulta clínica é de muita valia e não deve ser substituída por exames. Laudos radiológicos de exames de Ressonância Magnética da coluna lombar geram uma percepção negativa ao indivíduo e piores resultados funcionais, mas uma boa consulta médica com um laudo clínico da condição leva a melhores resultados funcionais. (7)
A US Preventive Services Task Forces é um grupo de experts que, com protocolos de rastreios, pode prevenir doenças com base nas melhores evidências científicas. (8)
Vale lembrar que, ao trazer esse conceito para o Value Based Health Care (VBHC), modelo no qual o valor em saúde é o resultado clínico/custo, sempre que usamos evidências científicas, temos a melhor geração de valor em saúde.
Na Alice, adotamos o VBHC como modelo de negócio e usamos protocolos baseados em evidência. Temos, inclusive, um protocolo de rastreio da população que orienta os exames a serem pedidos conforme características da pessoa e, ainda, com base nas diretrizes da US Preventive Services Task Forces.
Mudar o sistema atual de saúde é uma tarefa difícil, mas necessária para que evitemos mais danos à saúde das pessoas e para que possamos gerar saúde de qualidade e acessível à toda população.
Referências:
- (1) Chojniak R. Incidentalomas: gerenciando riscos. Radiol Bras 48:4, 2015
- (2) Heath I. Role of fear in overdiagnosis and overtreatment - an essay by Iona Heath. BMJ. 349:g6123, 2014
- (3) https://www.fda.gov/radiation-emitting-products/medical-x-ray-imaging/what-are-radiation-risks-ct
- (4) Chaudhary MK, Dhakaita SK, Ray R, Baruah TD. Local complications of intravenous access - an often underestimated entity. J Family Med Prim Care. 31;9(12), 2020
- (5) Lyu H, et al. Overtreatment in the United States. PLoS One.12(9), 2017.
- (6) https://www.choosingwisely.org/
- (7) Rajasekaran S et al, The catastrophization effects of an MRI report on the patient and surgeon and the benefits of 'clinical reporting': results from an RCT and blinded trials. Eur Spine J. 2021 In Press
- (8) https://www.uspreventiveservicestaskforce.org/uspstf/