João* trabalha pelo menos 8 horas por dia. Fazer horas extras já é uma rotina comum. Ele passa boa parte do tempo sentado e se estressa mais do que deveria.
Durante o tempo livre, encontra os amigos para se divertir e viver na cidade que nunca dorme. Jovem e destemido, ele bebe energético para se manter ativo noite adentro na capital paulista.
O álcool e o cigarro também são seus companheiros. Ele diz que usa socialmente. Não são as únicas drogas: eventualmente ele utiliza as substâncias ilícitas que um ou outro amigo levam.
João é um nome fictício, mas sua rotina já foi observada pela Ciência. Segundo o Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina (EPM/ Unifesp), ele representa 27,9% dos homens de 18 a 24 anos de São Paulo, que tinham o perfil de comportamento de risco nas festas noturnas antes da pandemia.
Com o relaxamento do distanciamento social, a aceleração da vacinação e o caminho para o controle da pandemia, há uma perspectiva de retorno às grandes festas. Um momento similar ao vivido pelo país pós-gripe espanhola, em 1919, quando as pessoas voltaram a sair de casa. A tendência é que esse comportamento de aglomerar e retomar celebrações seja mais recorrente e aumente entre todas as idades.
E quem sofre com isso é o coração. Os hábitos de uma vida regada a festas podem trazer inúmeras complicações para o órgão, assim como para o sistema cardiovascular como um todo e a qualidade de vida em diferentes fases da vida e a longo prazo.
“As doenças cardiovasculares aparecem quando há multifatores. A junção da bebida, do tabaco, as drogas e a privação do sono conduzem a uma situação que pode influenciar no funcionamento do coração e nos vasos sanguíneos independentemente da idade”, aponta o médico de família e comunidade Michel Duailibi, da gestora de saúde Alice.
Privação de sono
Um estudo norte-americano publicado no American Journal of Hypertension mostrou prevalência 50% maior de hipertensão nos pacientes que dormem menos de 6 horas por noite.
O cardiologista Fernando Ribas, da comunidade de saúde da Alice, aponta o motivo dessa relação “Quando passamos tempo sem dormir, como em uma festa, o corpo ativa vários mecanismos, por exemplo, a liberação de neurotransmissores e hormônios do estresse, como o cortisol”.
Para o médico de família Michel Duailibi, a questão é encontrar um equilíbrio entre o divertimento e horas dormidas diárias. “Durante o sono, a frequência cardíaca e a pressão arterial são reduzidas. Esse processo é muito importante para a saúde do coração, que consegue se regenerar e se preparar para um novo dia”, descreve o médico de família sobre os efeitos de dormir.
Ter uma rotina de sono é uma forma de diminuir os riscos cardiovasculares e equilibrar o organismo diante dos excessos de estresse que o organismo sofre. “Antes de ir para uma festa, trabalhar até mais tarde ou passar por longas jornadas acordado, é importante refletir: em que momento vou descansar? Não podemos pular essa etapa”, explica Duailibi.
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Relação de energético com o coração
O energético já foi estudado em diferentes situações pela Ciência. O que se sabe é que essa bebida pode elevar a pressão arterial diastólica e sistólica e desencadear anormalidades do ritmo cardíaco até quatro horas após a ingestão de quatro latinhas.
“O energético, apesar de não ser alcoólico, é carregado em cafeína e outras xantinas (estimulante cerebral), que atuam no coração de maneira semelhante à adrenalina”, explica o cardiologista Fernando Ribas.
Em abril de 2021, o Bristish Medical Journal publicou um relato de caso de um jovem de 21 anos sem histórico cardiopático familiar com um alerta sobre o consumo de energético, reforçando que cada vez pessoas mais jovens estão sendo impactadas pelo consumo da bebida sem compreender os efeitos nocivos à saúde.
“Há uma crença de que o fato de a bebida não ser alcoólica não impacta a saúde. Contudo, o líquido contém doses de cafeína e açúcar que agem no sistema nervoso central e podem trazer prejuízos a longo prazo, que vão além do fato de se sentir agitado. Há impacto no coração, no sistema nervoso, digestivo”, enumera o médico de família Michel Duailibi.
Ele destaca que a sensação de sentir acelerado ou até mesmo agir de forma impulsiva é comum, mas a atenção deve ser dada ao momento que o corpo demonstrar sonolência. “Esse sinal deve ser respeitado e é hora de ir para casa.”
O álcool
Cerveja, gin, vodka, cachaça, saquê, tequila. Apesar de serem diferentes, as bebidas presentes nas festas têm efeitos peculiares na saúde do ser humano, de acordo com a sua fabricação, mas quem mede os efeitos é quem a ingere e controla sua quantidade.
Isto porque há uma hipótese recente de que o álcool com moderação pode ajudar a acalmar os sinais de estresse no cérebro e no coração, mas o álcool em excesso causa riscos cardíacos. Um publicação da Sociedade Europeia de Cardiologia apontou que o uso de álcool em adultos jovens está associado ao envelhecimento precoce dos vasos sanguíneos
“O álcool é diretamente tóxico para a fibra cardíaca, podendo muitas vezes gerar casos de insuficiência cardíaca em abusadores recorrentes. Estudos em jovens adultos mostram maior rigidez dos vasos sanguíneos em quem consome mais álcool. Portanto, é essencial reforçar que não se deve fazer uso rotineiro, em especial não ultrapassar 100g (gramas de álcool) por semana”, explica o cardiologista Fernando Ribas.
Para ficar atento: <text_pink> Não há consenso entre as entidades de saúde sobre a dimensão exata de uma dose de bebida alcóolica, ou seja, o uso moderado ainda é um comportamento sem definição. A Organização Mundial da Saúde define 10 gramas de etanol puro como dose padrão para mensuração do consumo de álcool. A OMS também recomenda não exceder mais de duas doses por dia e não beber regularmente. <text_pink>
O álcool é também estudado como uma causa importante de hipertensão arterial, doença crônica que afeta 30% da população adulta em todo o mundo, segundo a OMS.
• Alimente-se de maneira diversificada e equilibrada
• Exercite-se 3 a 5 vezes por semana, com um mínimo de 150 minutos por semana de atividade leve a moderada, ou 75 minutos de atividade intensa.
• Avalie com um profissional de saúde a pressão arterial, colesterol e glicemia.
• Durma bem, pelo menos 7h a 9h de sono por noite.
• Busque aliviar o estresse no dia a dia com atividades de lazer ou praticando um hobby.
• Evite consumo excessivo de bebidas alcoólicas e energéticos.
• Afaste-se completamente do consumo de drogas ilícitas.
Drogas ilícitas
A cocaína é responsável por 25% dos Infartos Agudos do Miocárdio (IAM) em pacientes entre 18 e 45 anos de idade, segundo os dados do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). O infarto por uso de cocaína pode ocorrer em um período que pode variar de um minuto a quatro dias após a utilização da substância.
Entre 2010 e 2019, o número de pessoas que usam drogas aumentou 22%, em parte devido ao crescimento da população mundial mais jovem, de acordo com o relatório das Nações Unidas.
Entre janeiro e junho deste ano, foram apreendidas 150 toneladas de entorpecentes em todo o estado de São Paulo, o maior volume em 21 anos, segundo a Secretaria Estadual da Segurança Pública.
A maconha é a droga ilícita mais prevalente entre os jovens, mas o ecstasy, LSD e o MDMA, que recebeu até apelidos como “Michael Douglas” e “Madonna”, também estão presentes nas festas frequentadas pelo público mais jovem.
“Essas drogas afetam profundamente o sistema cardiovascular, podendo gerar arritmias malignas, infartos fulminantes e morte súbita. Além disso, podem danificar as coronárias no longo prazo, gerando mais precocemente o envelhecimento dos vasos. Um evento como qualquer destes pode gerar sequelas para a vida toda”, alerta o cardiologista Fernando Ribas.
O MDMA é um estimulante que promove percepção sensorial aprimorada que tem raros relatos de overdoses letais. Os efeitos do uso da substância são pressão alta, desmaios, ataques de pânico e até perda de consciência e convulsões.
Para quem usa e abusa dessas substâncias, a recomendação dos dois médicos é única: busque novas formas de divertimento. “Se tiver problemas com esses tipos de substância, procure ajuda. Hoje, há diversas formas de tratamento”, aponta Ribas.