Parar e pensar sobre a saúde dos homens é um exercício que vai além da criação do Novembro Azul. A data tem o objetivo de diminuir a incidência do câncer de próstata, segundo tumor maligno mais comum entre os homens (atrás apenas do câncer de pele não-melanoma).
Contudo, o olhar para a saúde do homem é uma oportunidade de refletir como geralmente o padrão de comportamento masculino não leva em consideração o cuidado com a própria saúde.
Desde que o conceito de virilidade se difundiu na Roma Antiga, os padrões de comportamento familiar, social e sexual moldaram o homem desde a infância para se converter em um exemplo de força, autoridade e dominação - inclusive com relação à sua saúde física e mental.
A persistência desse padrão determinou o que vivemos hoje: a dificuldade do homem em buscar os serviços de saúde. De acordo com a última edição do Pesquisa Nacional de Saúde, realizado pelo Ministério da Saúde e IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) antes da pandemia, a proporção de mulheres (82,3%) que consultou um médico em um período de 12 meses foi superior à dos homens (69,4%).
O médico Rafael Pereira, do Time de Saúde da Alice, estuda sobre os sofrimentos masculinos e defende que o Novembro Azul seja utilizado para conscientizar os homens sobre sua saúde como um todo.
“Os homens foram levados ao padrão de exercer a masculinidade através de demonstrações de força, tomada de risco ou do trabalho excessivo. Quando só falamos de câncer de próstata, também reduzimos o homem ao seu aparelho reprodutor e vamos na contramão da necessidade atual de cuidar do físico e mental, que é entendermos a saúde do homem de forma ampliada.”
Pereira explica que a atenção à saúde do homem do ponto de vista dos efeitos nocivos da masculinidade viril na saúde começou a ser abordada na década 1980.
Desde então, a literatura científica já demonstrou que o homem tem dificuldade de olhar para si, buscar ajuda quando necessário, falar sobre angústias e sofrimentos e adotar hábitos saudáveis desde jovens que poderiam culminar com maior qualidade de vida a longo prazo.
“A adoção de comportamentos saudáveis, como a boa alimentação, a prática de exercícios, o gerenciamento do estresse e o consumo moderado de álcool, é essencial para que o homem descubra que cuidar da saúde não é abandonar sua identidade”, argumenta o médico.
Pereira aponta que a melhor maneira de ampliar a promoção de hábitos saudáveis para o público masculino é criar espaços seguros de discussão que facilitem aos homens falar sobre aspectos físicos, psicológicos e sociais em todas as idades.
“Muitos homens chegam às consultas verbalizando preocupações com a próstata quando, no fundo, a demanda que fica oculta são questões relacionadas ao sofrimento mental, à sexualidade ou mesmo a receios relacionados à saúde.”
Da Roma Antiga para a crise silenciosa do homem no século 21
De certo modo, o traje de gladiador e a batalha com os leões foram substituídos pelos homens do século 21 orientados pela personalidade varonil, destemida e orientada pelo trabalho.
Esse padrão de comportamento leva o homem há séculos a olhar para a saúde orientado pela doença associada a uma fraqueza e nunca pelo aspecto da promoção e prevenção. Os dados mostram como é nocivo esse efeito: homens vivem menos que mulheres.
Segundo a projeção do IBGE, a expectativa de vida dos homens tem uma diferença de sete anos em comparação ao público feminino. Enquanto elas vivem por 80,1 anos, eles vivem 73,1.
São muitos fatores que contribuem para a estatística. Comportamentos de risco, fatores externos como a violência, as doenças crônicas que poderiam ser revertidas com maior atenção à saúde.
Além da exclusão social e de saúde que homens transgênero ou de orientação não heterossexual sofrem por não seguirem o padrão.
Segundo Rafael Pereira, a Ciência entende a persistência da virilidade como ideal de ser do homem que gera uma crise silenciosa no público masculino, que se reflete em transtornos mentais.
Por isso, eles precisam de atenção não apenas no Novembro Azul, mas em uma constante linha de coordenação de cuidado e fortalecimento da atenção básica para o público masculino.
“Os dados relevam que há maior prevalência de depressão entre as mulheres; porém, quando olhamos para os dados de suicídio, os homens são protagonistas dos indicadores. Como o suicídio muitas vezes está associado ao transtorno depressivo, acredita-se que muitos homens tenham sofrimento mental não identificado, por não terem espaços ou condições que favoreçam homens falarem sobre suas emoções e angústias”, reflete Pereira.
Informação para a mudança no comportamento masculino
Seja para o autocuidado ou até mesmo para enfrentar os índices de câncer de próstata na população, a mudança é simples: informação nas primeiras décadas de vida.
O urologista Willy Baccaglini, da comunidade de saúde da Alice, aponta que a adolescência é uma oportunidade para orientação de temas de comportamento e saúde, que vão além do sexo.
“Quando os meninos têm acesso à informação e educação em saúde para conhecer seu corpo físico e mental e desenvolver sua sexualidade, construímos homens mais conscientes sobre sua saúde durante a vida adulta e com comportamentos de autocuidado” , explica.
A informação também pode ajudar os homens que buscam ser pais. Baccaglini aponta que muitos chegam ao consultório, entre 30 e 35 anos, sem conhecimento de condições de saúde ou até mesmo sem entender fenômenos que mudam o corpo durante o envelhecimento.
“Homens que acabam tomando por si só o conhecimento sobre o corpo acabam criando vieses de desinformação, sem entender o que são funções do organismo ou até mesmo as alterações naturais do corpo que vêm de acordo com a idades e as inúmeras condições do organismo. Essa é uma situação que pode ser revertida com informação e com uma maior proximidade aos serviços de saúde em idades mais jovens.”
De acordo com o médico, informações sobre cuidados de saúde e, em especial, sexualidade têm potencial de diminuir a incidência de câncer de próstata. E a mudança já está vindo.
“Há um processo de assimilação da informação de que o exame preventivo de próstata, apesar de ser invasivo, é benéfico para a saúde. Isso é um grande passo que demonstra que estamos mudando os comportamentos dos homens. Agora nosso desafio é ampliar a educação e trazer os homens para o cuidado à saúde integral”, conclui.