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23/8/2021
Corpo

Paralimpíada desmistifica narrativa de superação no esporte

Direto de Tóquio, Taline Costa avalia como Jogos Paraolímpicos podem gerar mais compreensão sobre inclusão de pessoas com deficiência na atividade física.

Brunna Mariel
ilustração de paratletas

Super-heróis, super-atletas, superação, milagre. Essas são algumas das palavras geralmente associadas aos Jogos Paralímpicos e aos paratletas. Mais do que reconhecer a presença dos brasileiros nas modalidades e nos pódios, comentários na imprensa e nas redes sociais seguem destacando de forma errônea quem “superou a deficiência” e não um recorde de performance. 


Essa visão demonstra o quanto a população no geral desconhece a realidade de aproximadamente 1,5 bilhão de pessoas no mundo que vivem com algum tipo de deficiência. Com a visibilidade esperada na televisão e nas redes sociais, os  Jogos Paralímpicos de Tóquio 2020, que começam nesta terça-feira (24), podem gerar maior compreensão sobre acessibilidade e inclusão. 


Além da torcida e a vitória sobre os adversários, o evento mundial é um momento de conscientização sobre a presença e inclusão da pessoa com deficiência (PCD) na prática de atividades físicas - seja da população geral ou de quem quer praticar um esporte de alto rendimento. 


Para a médica do esporte Taline Costa, membro da delegação de natação do Brasil da Paralimpíada em Tóquio, o evento mundial pode inspirar as pessoas com deficiência a praticar esportes e a sociedade como um todo a ser mais inclusiva.  


"Paralimpíada é uma competição para reconhecermos a performance e os recordes batidos. É preciso reconhecer, torcer e valorizar o trabalho do atleta e não a sua deficiência”, destaca Taline Costa, que é médica do Time de Saúde da Alice. “Deixar termos pejorativos como ‘super-heróis’ e nos provocar: o que estamos fazendo como sociedade para incluir pessoas com deficiências nas atividades físicas e nas práticas comuns da população geral?”, questiona. 


O Brasil tem uma bagagem com mais de 300 medalhas nos Jogos Paralímpicos e quer aumentar esse número com a presença de 257 atletas, a segunda maior delegação brasileira já convocada para uma edição dos Jogos. 

Sem acesso à atividade física 


Em todo o mundo, estima-se que 15% da população viva com alguma forma de deficiência cognitiva ou adquirida, sejam elas físicas, mentais, intelectuais. Destas, 80% vivem em países de baixa ou média renda e enfrentam barreiras de inclusão para acessar a atividade física. 


Uma avaliação publicada na revista The Lancet demonstra que pessoas que vivem com deficiência têm de 16 a 62% menos probabilidade de cumprir as diretrizes básicas  de atividade física do que pessoas sem deficiência. Esse cenário colabora com maior risco de lesões e desenvolvimento de doenças crônicas. 


“As pessoas com deficiência têm uma mudança de qualidade de vida substancial quando começam a fazer alguma atividade física. Não precisa ser necessariamente um esporte. Apenas o fato de manter uma rotina com o mínimo de atividade traz benefícios físicos, psicológicos e de socialização”, pontua a médica Taline Costa. 

Na avaliação dela, a prática de alguma atividade também impulsiona a inclusão dentro da sociedade e reforça  a necessidade de espaços e profissionais prontos para lidar cada vez mais com a acessibilidade. 

atividade física para pessoas com deficiência
Bruno Belluomini/ Portal Time de Saúde



A OMS publicou recentemente diretrizes de atividade física para PCD, afirmando que benefícios significativos podem ser alcançados com a atividade física, mesmo abaixo da recomendação de 150 minutos por semana. 


Essas atividades podem ser incluídas na rotina diária seja no lazer, transporte, em casa, durante os estudos ou trabalho e em diferentes intensidades. O importante é que elas reduzam o tempo sedentário. Os pesquisadores enfatizam que a prática desse tipo de atividade não é prejudicial à saúde, independentemente da deficiência.


O objetivo das diretrizes é servir de parâmetro para a formulação de políticas públicas mais explícitas de como garantir os direitos de PCDs à participação plena e efetiva na atividade física. 

A lacuna de dados 


Ainda faltam evidências para entender a complexidade do acesso à atividade física por pessoas com deficiência no Brasil e mundo afora, inclusive para a Ciência. Entre 1999 e 2019, menos de 5% de todos os artigos publicados nas cinco revistas de maior impacto na literatura focaram seus estudos em pessoas com deficiência, e menos de 7% desses abordavam atividade física. 


Além disso, pessoas com deficiências são excluídas de conjuntos de dados de nível populacional sobre atividade física, assim como em diferentes sistemas de vigilância de saúde, o que dificulta dados longitudinais para estimar os padrões de atividade física ao longo do tempo nesse grupo.


Os pesquisadores responsáveis pela publicação na Lancet apontam que é necessário aumentarmos os dados baseados em evidências científicas para ter intervenções sociais que efetivamente possam aumentar a quantidade e qualidade da participação de PCDs na atividade física. 


Taline Costa também aponta o papel dos profissionais de linha de frente, que lidam com atividade física e esportes no Brasil, que vão além do esporte de alto rendimento. 


“Os treinadores e profissionais que trabalham nessa área são essenciais para a inclusão. São eles que têm esse olhar especial, de identificar as barreiras e movê-las para garantir a inclusão. Isso impacta no espírito colaborativo dentro de uma equipe paralímpica e também na vida cotidiana. Não é apenas fazer uma atividade; é ter a oportunidade de participar”, concluiu. 


WeThe15 


A boa notícia é que a publicação da The Lancet também demonstrou que o esporte para pessoas com deficiência continua crescendo em todo o mundo e pode desempenhar um papel na promoção do empoderamento, inclusão social e participação social de PCD em todo o mundo. 


A OMS (Organização Mundial da Saúde) busca nos Jogos Paralímpicos criar conscientização da importância da atividade física e da inclusão social para essa população. A entidade lançou a campanha WeThe15, uma coalizão de organizações internacionais do mundo do esporte, direitos humanos, política, comunicação, negócios, artes e entretenimento. 


“Quando as modalidades paralímpicas são televisionadas, como nas Olimpíadas, é uma oportunidade de inspirar novas gerações para encontrar novas práticas esportivas e abandonar o comportamento sedentário”, esclarece  a médica. 


O objetivo da campanha é aumentar o conhecimento das barreiras e da discriminação que as pessoas com deficiência enfrentam diariamente em todos os níveis da sociedade e abrir o diálogo para criar novas oportunidades e diretrizes para a próxima década. 


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