Mulher, nortista, enfermeira, professora. A trajetória de Wanda Horta se confunde com a história da humanização do atendimento de saúde no Brasil. Seu legado foi escrito na porta de entrada da saúde — a enfermagem. O lema que utilizava para defender sua profissão era: <text_pink>“Gente que cuida de gente”.<text_pink>
Há exatos 40 anos, ela morreu, sem ter visto o impacto de seus estudos e trabalhos aplicados na sociedade brasileira. Foi ao longo das últimas décadas que seu arcabouço teórico consolidou-se com a prática profissional de enfermeiras e enfermeiros no Brasil e mundo afora.
Wanda Horta: vida pessoal e carreira
Wanda Cardoso de Aguiar nasceu em <text_pink>11 de agosto do ano de 1926<text_pink>. Seu sobrenome Horta veio do marido Luís Emílio Horta, com quem se casou aos 27 anos.
Nascida em Belém (PA), ela foi criada, junto com seus irmãos, por um pai militar e uma mãe devota dos livros, em uma casa em que a educação era prioridade.
Aos 10 anos mudou de Belém para Ponta Grossa (PR) e, durante o ginásio, em sua adolescência, frequentou o curso de pré-médico, uma espécie de curso técnico em medicina, no qual teve o primeiro contato com a área da saúde.
Na década de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, Wanda se inscreveu nos Voluntários Socorristas, da Cruz Vermelha. Na época, o Brasil havia declarado guerra ao Eixo (Alemanha, Itália e Japão), e havia receio de possíveis ataques aéreos em solo brasileiro.
Ao final do curso, enviou um telegrama ao então ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, para integrar a Força Expedicionária Brasileira. Porém, nunca obteve resposta.
A ausência de resposta e as fronteiras entre municípios não foram impeditivos para seguir com a vontade de ajudar o próximo. Em 1944, Wanda mudou para Curitiba para trabalhar e estudar.
Conseguiu um emprego com atividades de enfermagem, mas foi em 1945 que se aprofundou na área após ganhar uma bolsa de estudos para mudar para a capital paulista e estudar na USP (Universidade de São Paulo).
A história de Wanda na enfermagem
Wanda desembarcou em São Paulo em um período novo para a enfermagem. Entre as décadas de 1930 e 1950, os enfermeiros vinham refletindo sobre sua prática bastante limitada nos hospitais pelo excessivo controle dos médicos.
A abertura da Escola de Enfermagem de São Paulo, na década de 40, reforçou a adoção de uma formação acadêmico-científica para enfermeiros, impulsionada também pela industrialização da cidade.
Com esse crescimento, a região precisava atender à demanda de cidadãos adoecidos por epidemias. Se por um lado, havia centenas de pacientes à espera de atendimento, por outro lado, os hospitais não permitiam uma atuação das enfermeiras de forma independente.
Ao se formar na USP, foi trabalhar em Santarém (PA) no projeto de Serviço Especial de Saúde Pública, criado pelo governo federal da época em parceria com os Estados Unidos.
A premissa do órgão na Amazônia era criar equipes de médicos, engenheiros e enfermeiros para compartilharem decisões em prol de um objetivo em comum: a saúde da população.
Foi a partir dessa experiência que Wanda entendeu o papel de protagonismo das enfermeiras. A paraense decidiu aprofundar seus conhecimentos científicos e a prática de enfermagem passando por pronto-socorro, sanatórios e hospitais. Também se formou em biologia.
A cada nova experiência, Wanda notava que a enfermagem aplicada no Brasil estava muito associada ao tratamento de doenças. <text_pink>Na visão dela, era necessária a compreensão do sofrimento e das fragilidades humanas, para além das condições físicas tratadas.<text_pink>
Ela ia entendendo cada vez mais a necessidade de um novo marco teórico para a educação de enfermeiras e, portanto, para a formação de novas gerações de profissionais.
Em 1958, retornou para a Escola de Enfermagem como professora com um objetivo muito claro: fortalecer a formação científica e teórica da enfermagem.
Não era tarefa fácil para uma mulher que havia chegado ao cargo de professora da USP e que precisava enfrentar o conservadorismo da área de saúde na época, com todas as restrições impostas ao exercício de sua categoria.
Wanda e a Teoria das Necessidades Humanas Básicas
O descontentamento com a posição do enfermeiro na saúde se transformou em um combustível para a busca de evidências científicas e seu caminho como professora.
Especializou-se em Pedagogia e Didática Aplicadas à Enfermagem e doutorou-se em Enfermagem com a tese "Observação Sistematizada na Identificação de Problemas de Enfermagem em seus Aspectos Físicos”.
Wanda chegou a relatar em artigos que “nos hospitais oferecemos o máximo de desconforto”, definindo a assistência de saúde e ressaltando a importância do cuidado.
Foi na sua desbravadora carreira acadêmica que encontrou a Teoria das Necessidades Humanas Básicas, do psicólogo Abraham H. Maslow, como caminho para mudar a enfermagem no Brasil e humanizá-la.
Maslow criou a teoria da motivação humana segundo a qual define que o ser humano precisa de um conjunto de condições básicas para alcançar um nível de bem-estar. O psicólogo definiu esses níveis como: <text_pink>necessidades fisiológicas, segurança, amor, estima e autorrealização.<text_pink>
Wanda acreditava que os níveis deveriam ser classificados a partir de uma alternativa proposta pelo padre, médico e escritor João Mohana, que dividia as necessidades em três grandes dimensões: <text_pink>psicobiológicas, psicossociais e psicoespirituais.<text_pink>
Seguindo essa tese, Wanda estabeleceu que o papel do enfermeiro em ser coordenador do cuidado é entender o ser humano como um todo — não olhando apenas a doença que ele está sofrendo, mas o corpo, mente e espírito.
Assim, o atendimento passa a ser individualizado e a levar em consideração aspectos sociais e emocionais do paciente.
Ela se inspirou em conceitos trabalhados no exterior pela enfermeira psiquiatra Ida Orlando, que começou a utilizar “processo de enfermagem” para explicar o cuidado como um processo sistematizado.
As etapas do processo de enfermagem
A professora brasileira introduziu a noção de que o processo de enfermagem pode ser dividido em seis etapas:
<text_pink>1) histórico;<text_pink>
<text_pink>2) Diagnóstico;<text_pink>
<text_pink>3) Plano assistencial;<text_pink>
<text_pink>4) Plano de cuidados ou prescrição;<text_pink>
<text_pink>5) Evolução;<text_pink>
<text_pink>6) E o prognóstico de enfermagem. <text_pink>
O conceito de enfermagem, segundo Wanda Horta
Para a enfermeira:
<text_pink>"A enfermagem é a ciência e a arte de assistir o ser humano no atendimento de suas necessidades básicas, de torná-lo independente desta assistência atraves da educação, de recuperar, manter e promover sua saúde, contando para isso com a colaboração de outros grupos profissionais."<text_pink>
Seu olhar revelador diante das necessidades humanas na saúde avançou ao longo dos anos e conquistou o meio acadêmico de enfermagem de todo o país.
Wanda ministrou aulas e orientou pesquisas em universidades do Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, disseminando seu conhecimento e fortalecendo o viés humano na coordenação de cuidado.
Ela obteve reconhecimento internacional de seus estudos e metodologia, levando seu modelo teórico para diferentes países.
Foi convidada pela Organização Pan-Americana de Saúde e pela OMS (Organização Mundial de Saúde), em 1973, para participar da elaboração do Documento Básico sobre o Ensino de Fundamentos de Enfermagem, que fortalecia a importância global da graduação e do cunho científico da profissão.
Para diminuir as barreiras entre seus conceitos e os enfermeiros em formação, ampliou seus estudos - há relatos de mais de 400 documentos assinados por Wanda -, além de ter criado a revista Enfermagem em Novas Dimensões, de forma independente, para divulgar suas idéias e fugir do conservadorismo da área entre 1975 e 1979.
A partir dessa extensa trajetória, Wanda publicou a “Teoria de Enfermagem das Necessidades Humanas Básicas”, no livro "Processo De Enfermagem" de 1979, que consolidou uma nova abordagem para a enfermagem no século passado.
Ao longo de sua vida, Wanda construiu pontes para que a enfermagem e o cuidado de saúde fossem respeitados e baseados em evidências científicas. Lutou para deixar no passado a visão de que a enfermagem deveria transitar sob olhar médico.
Viu muito pouco dessa transformação na prática. Morreu em 1981 sem acompanhar o avanço do Movimento Sanitarista, a Lei do Exercício Profissional que regulamentou o exercício dos profissionais de enfermagem e a criação do modelo conceitual de Wanda Horta, vigente nas universidades até hoje.
A causa da morte precoce, aos 54 anos, em 15 de junho de 1981, foi esclerose múltipla, uma doença degenerativa. Relatos demonstram que, mesmo com momentos difíceis em decorrência da doença, trabalhou até o último dia de vida.
Sua persistência na enfermagem beneficia todos que buscam saúde com um olhar integrativo e inspira milhares de profissionais que encontraram na coordenação de cuidado seu propósito de vida.
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