Não são raros os momentos em que apostamos em determinados tipos de alimentos como muletas emocionais ou apenas um conforto após um dia difícil. O contrário também pode acontecer.
Para celebrar um momento importante ou uma conquista tão esperada, pensamos logo em que tipo de refeição queremos compartilhar. Não tem para onde fugir: comer é, por si só, um enorme prazer.
Mas e se no dia seguinte - ou quiçá, no minuto seguinte - enfrentamos pensamentos sabotadores e uma enorme sensação de fracasso por termos cedido a determinado desejo gastronômico? Como lidar com essa sensação de falha?
Comer sem culpa e entender que nenhum alimento é mais poderoso que você parece um comportamento inalcançável. Para muitas pessoas, ter uma relação equilibrada com a comida está sempre na lista de metas a atingir.
E é justamente nesse limbo entre descontar o nosso emocional na comida e ser invadido pelo medo de engordar que muita gente recorre a estratégias perigosas não só para a saúde física, como também para a saúde mental. Seja aderindo a dietas da moda, protocolos de jejum sem o acompanhamento profissional ou até confiando em “superfoods” milagrosas.
Mas e se existisse um caminho possível da nutrição, em que o respeito à nossa fome e a promoção da saúde, independentemente de peso e padrões corporais, fosse realmente o objetivo? Segundo a Ciência, esse caminho existe e é chamado de “alimentação intuitiva”.
O respeito à nossa fome e o comer intuitivo
O comer intuitivo tem como objetivo retomar algo tão básico quanto óbvio, mas que muitos de nós esquecemos: reconhecer os sinais de fome e saciedade, assim como entender que é permitido comer qualquer tipo de alimento, sem incorporá-los em categorias de “heróis” ou “vilões”.
Na realidade, a alimentação intuitiva chama a atenção para o comer emocional, que é quando usamos as refeições como ferramentas para lidar com os nossos gatilhos emocionais, e não em resposta a estímulos fisiológicos da fome.
Estudos realizados já demonstraram que essa abordagem é vista como uma estratégia de promoção de saúde e de um melhor relacionamento com a comida quando comparada com dietas restritivas, por exemplo, que se tornam gatilhos para distúrbios alimentares.
As análises de experiências feitas entre grupos de mulheres adultas também relacionaram o comer intuitivo a uma melhora na autoestima e na expectativa realista de padrões de beleza e composição corporal.
Os princípios da alimentação intuitiva
Acima de tudo, a alimentação intuitiva propõe um novo olhar para a comida, sem medo ou julgamentos. A ideia é que a relação com os alimentos se torne flexível, equilibrada e, sobretudo, prazerosa.
Não se trata de uma dieta específica, mas sim de estar em paz com as suas escolhas alimentares, respeitando os sinais do seu corpo e confiando na liberdade ao comer.
Para isso, existem 10 princípios básicos que guiam essa mentalidade:
#1 Rejeite a mentalidade da dieta
Afastar a mentalidade das dietas é entender que você é o grande especialista em seu corpo. Assim, para além das dietas da moda, o importante é reconhecer os alimentos que lhe trazem prazer e saúde, e qual a quantidade necessária para você se satisfazer.
#2 Honre a sua fome
O nosso corpo é muito sábio, mas às vezes precisamos treinar a nossa escuta para os sinais internos do que é fome. Aqui, o principal objetivo é compreender os seus limites, tanto de saciedade, quanto de vontade de comer a cada nova refeição.
#3 Faça as pazes com os alimentos
Nenhum alimento é vilão ou herói sozinho. Abandone a lista de comidas “permitidas” e “proibidas” e preste atenção nos ciclos de restrição e compulsão alimentar.
#4 Desafie a “polícia alimentar” interna
Afaste o sentimento de culpa ou fracasso após uma refeição. Perceba como você lida com os seus próprios sentimentos sabotadores, que podem levá-lo a um ciclo de “tudo ou nada” em relação às comidas.
#5 Sinta a sua saciedade
Mastigue com calma e dedique um tempo para as suas refeições sem outras atividades. Da mesma forma que precisamos honrar a nossa fome, também é importante respeitar os sinais de saciedade. Muitas pessoas confundem a ideia de que estar satisfeito é se sentir empanturrado. Estar satisfeito é você se sentir sem fome, mas também sem nenhum desconforto no estômago. Para isso, é preciso estar atento e presente na hora da alimentação.
#6 Descubra o que traz satisfação para você
É importante ter os seus alimentos preferidos, mas não se restringir a eles. Seja curioso e procure inovar tanto em ingredientes como em forma de preparos para reconhecer os alimentos que lhe trazem prazer.
#7 Lide com suas emoções sem descontar em alimentos
O comer emocional é quando usamos a comida para negar ou experimentar uma emoção, seja de alegria ou de tristeza. É inegável que a comida é a fonte de prazer para muitas pessoas, mas não deve ser a única. Observe quais outras atividades podem fazer parte da sua rotina como forma de criar estratégias para a sua saúde mental, para além das refeições.
#8 Respeite seu corpo
É muito difícil fazer as pazes com a comida quando não se está em paz com o próprio corpo. É saudável buscar melhorias e metas tangíveis em sua saúde, mas para isso é preciso olhar com gentileza para as nossas formas, curvas, perfeições e imperfeições.
#9 Movimente-se e sinta a diferença
A atividade física deve ser guiada pela nossa sensação de bem-estar e completude, e não pela quantidade de calorias queimadas. Escolha os exercícios que fazem bem pra você, e todo o resto será consequência do hábito.
#10 Honre a sua saúde por meio de uma nutrição gentil
Acima de tudo, o comer intuitivo respeita uma alimentação saudável. Ou seja, quando se abandonam as dietas da moda, honramos a fome e a satisfação, quando encontramos prazer nos alimentos e deixamos de lado os pensamentos sabotadores, estamos caminhando para uma vida mais equilibrada e completa.
Como reconhecer a sua fome e a sua saciedade?
Na alimentação intuitiva, talvez o grande desafio é ser capaz de distinguir a fome biológica da emocional e, a partir desse entendimento, buscar outras ferramentas para lidar com as emoções difíceis, assim como se permitir sentir o prazer de uma boa refeição. Por isso, os estudos relacionam o “mindful eating”, ou atenção plena ao comer, como uma ferramenta importante para o comer intuitivo.
Para além de trazer o olhar para as nossas emoções, a atenção plena na hora da alimentação tem como objetivo estimular a consciência em relação aos alimentos, assim como prestar atenção aos sinais de fome e saciedade.
O “mindful eating”, como é conhecido, defende que após um período de treinamento cada um se torne capaz de reconhecer a quantidade e o tipo de alimento necessário para que se mantenha não somente a saúde nutricional, mas também uma composição corporal adequada.
Estudos que abordaram os dois conceitos, mindful eating e alimentação intuitiva, apontaram as abordagens como estratégias eficientes para a manutenção de peso, melhoria na relação com a comida, bem como o tratamento de distúrbios alimentares e de imagem.
Na prática, estar presente em relação aos alimentos significa reconhecer e ressignificar os comportamentos internos (como pensamentos e reações emocionais), bem como os gatilhos externos (como ambientes e contextos sociais) que atrapalham o relacionamento com a comida.
A longo prazo, o mindful eating também ajuda nas mudanças de estilo de vida necessárias para uma rotina mais saudável, como respeitar o momento de cada refeição e afastar os efeitos associados às dietas com restrições alimentares, por exemplo.
Essa consciência no momento presente pode ser cultivada de diversas maneiras, seja por meio da prática da meditação, ou pela inserção de pequenos hábitos em sua rotina.
Primeiro, experimente sentir todas as sensações que um alimento traz. Faça um convite para si mesmo de realmente degustar cada uma das refeições, com a calma necessária para reconhecer os sabores, as texturas e o formato dos alimentos.
Depois, aproveite o momento dedicado para a sua refeição deixando de lado outras distrações, como mexer no celular ou assistir televisão. Isso vai fazer que você perceba melhor os seus sinais de fome e saciedade, evitando um desequilíbrio nas quantidades realmente necessárias para nutrir o seu corpo.
No fim das contas, o comer intuitivo e o mindful eating são estratégias para melhorar a nossa percepção em relação às comidas e, por que não, em relação a nós mesmos.