O primeiro sentimento é de que algo não está bem. E então ele se transforma e vem acompanhado de angústia, pensamento obsessivo, perda de satisfação. Aos poucos, esse desânimo começa a impactar atividades essenciais do dia como comer, trabalhar, interagir com outras pessoas e dormir. Essas são algumas das manifestações dos sintomas de depressão. Situação que o brasileiro conhece bem: fomos considerados pela Organização Mundial da Saúde o 4º país no ranking de prevalência de depressão em todo o mundo.
A tecnologia pode ser, contudo, uma aliada potente no tratamento de sintomas depressivos. Neste mês, foi publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA) o primeiro estudo realizado no Brasil para avaliar o benefício das intervenções digitais no acesso a cuidados de saúde mental. O resultado demonstrou um caminho próspero: o uso de um app em smartphones, que acompanhou e propôs atividades para reduzir o impacto dos transtornos mentais, diminuiu em até 50% os sintomas depressivos dos participantes, após três meses do experimento.
O resultado foi baseado em dois ensaios clínicos randomizados conduzidos separadamente em São Paulo (880 participantes) e em Lima, capital do Peru (432 participantes), com pacientes com hipertensão ou diabetes e sintomas depressivos — todos usuários do sistema público de saúde em ambos os países.
Metade dos participantes foi acompanhada em Unidades Básicas de Saúde (tratamento usual aprimorado) e o restante recebeu um smartphone com aplicativo, criado para o experimento, em sua língua oficial (português ou espanhol). Aqueles que receberam o aparelho com o app tiveram acesso a 18 breves sessões durante 6 semanas, com desafios e metas de menos de 10 minutos para serem concluídas.
O conteúdo foi desenvolvido por meio de ativação comportamental baseada em abordagem psicológica para tratar depressão, focado em atividades facilmente adaptáveis, agradáveis e de autocuidado. Auxiliares de enfermagem estavam à disposição para tirar dúvidas sobre o aplicativo por meio de ligação, além de entrar em contato caso algum participante não estivesse acompanhando as atividades. No caso de São Paulo, foram recrutadas auxiliares treinadas do programa Saúde da Família.
Após três meses do fim das sessões e do acompanhamento presencial, os participantes foram convidados para uma entrevista. Em São Paulo, 40,7% dos usuários do aplicativo tiveram redução de, pelo menos, 50% no escore de depressão, medido pela metodologia de rastreamento Patient Health Questionnaire 9 – PHQ 9, após três meses do início da intervenção, contra 28,6% das pessoas que estavam no grupo controle (tratamento usual aprimorado).
Apesar de não ser o objetivo da pesquisa, o estudo demonstrou que as atividades promovidas por meio do aplicativo também tiveram um impacto para a adesão à alimentação saudável e atividade física na rotina dos participantes. Esses hábitos contribuem para o controle da hipertensão ou diabetes.
O diferencial do aplicativo
O estudo realizado pela USP (Universidade de São Paulo), em parceria com outras instituições, acompanhou os pacientes após seis meses da intervenção digital e do acompanhamento presencial. Entretanto, depois desse período, as diferenças entre os grupos não eram mais estatisticamente significativas. Enquanto o grupo de intervenção digital manteve melhora no decorrer do semestre, o grupo de tratamento usual também mostrou melhora adicional ao longo desse tempo.
Em seis meses, 173 dos 375 participantes (46,1%) no grupo de intervenção digital em São Paulo mostraram melhorias nos escores do PHQ-9, em comparação com 153 de 379 (40,4%) no grupo de controle. Os pesquisadores acreditam na possibilidade de que a ausência do app (por ele ter sido utilizado apenas por seis semanas) pode ter enfraquecido os benefícios clínicos.
O papel fundamental das auxiliares de enfermagem
A adesão da população ao mundo digital para o cuidado da saúde tem sido descrita como um grande desafio, porém o resultado no estudo também foi positivo: com 65% de adesão dos participantes em São Paulo e 92% em Lima. O que fez a diferença? Pesquisadores pontuaram que o fácil design do app e as auxiliares de enfermagem disponíveis na atenção aos usuários, dando mais assistência e motivação foram importantes para a melhora do paciente. Inclusive, a presença da profissional de saúde justifica a diferença entre os dois países – em Lima, participaram assistentes exclusivos e, em São Paulo, elas acumulavam funções em outros serviços.
Os resultados do estudo fornecem evidências para apoiar o uso de intervenções digitais no setor de saúde em países como o Brasil, além do potencial efeito na saúde mental, para que nossa população deixe de ser destaque nos principais rankings de depressão. O maior benefício é para as pessoas: acessar em poucos cliques a possibilidade de cuidar e tratar da sua saúde mental.