A história do jejum está diretamente ligada à evolução da nossa espécie. Há cerca de 100 mil anos, o Homo erectus e os neandertais ainda dependiam da caça e da coleta de alimentos para garantir a sua nutrição.
Antes do desenvolvimento da agricultura, nós, seres humanos, vivíamos nômades e comíamos o quanto podíamos ao encontrarmos alimentos. Depois, passávamos longos períodos sem qualquer alimentação, e o nosso organismo utilizava as reservas obtidas pelo nosso corpo para sobreviver.
“O nosso corpo é muito inteligente. Quando a gente entra no processo de restrição, o nosso corpo luta contra isso, e o mecanismo de defesa é poupar energia e nutrientes. Era assim que os nossos antecedentes milenares sobreviviam, e por isso dizemos que o jejum faz parte da nossa história evolutiva”, explica Priscila Giacomo Fassini, nutricionista da Alice e doutora em Ciências pela USP.
A evolução humana e o aperfeiçoamento de técnicas para a produção e conservação de alimentos possibilitaram um cenário em que temos mais comida à nossa disposição.
Mas o jejum ainda continua sendo uma prática popular, principalmente para quem busca estratégias de perda de peso. Nos últimos anos, ganhou muito destaque na mídia o método conhecido como “jejum intermitente”, que consiste em realizar pausas na alimentação por períodos que podem se estender de 12 a 24 horas.
O que muita gente não sabe, porém, é que o jejum intermitente, na ausência de outras estratégias, não é mais eficaz para quem precisa emagrecer devido a condições de saúde.
Na maioria dos casos, manter uma alimentação equilibrada ao longo do dia é a prática mais importante para controlar a ingestão calórica e adequar índices como colesterol e glicemia.
O jejum intermitente, inclusive, possui poucas evidências científicas que validem seus benefícios e pode acarretar danos na saúde física e mental do indivíduo quando realizado de forma incorreta, argumenta Fassini, que também foi pesquisadora da Tufts University e da Harvard Medical School.
A seguir, entenda alguns mitos e verdades em relação ao jejum e à sua saúde.
Mito: O jejum tem comprovação científica.
Para a ciência, o jejum não é mais efetivo do que outras estratégias para o emagrecimento. Um estudo publicado na revista acadêmica JAMA avaliou os efeitos da estratégia de jejum de 16 horas em um grupo de 116 pacientes com sobrepeso ou obesidade.
De acordo com os resultados da análise, a estratégia de restringir a alimentação por um longo intervalo não resultou em mudança de peso ou benefícios cardiometabólicos quando comparada com a restrição calórica contínua e equilibrada.
Segundo a nutricionista Priscila Giacomo Fassini, existem algumas evidências sobre o jejum intermitente em estudos em animais. No entanto, em estudos clínicos, essas informações ainda são limitadas a um contexto muito específico e de curto prazo.
“Nós não temos evidências suficientes para recomendar o jejum intermitente como estratégia de perda de peso. Não é uma intervenção sustentável a longo prazo. Isso não é saúde”, enfatiza a especialista.
Mito: O jejum é eficiente para o emagrecimento.
Quando o nosso corpo entra em um contexto de privação energética e de nutrientes, seja por meio do jejum intermitente ou de dietas muito restritivas, o nosso metabolismo basal (a quantidade de energia que a gente precisa para sobreviver) diminui.
Ao cair o metabolismo basal, você até pode perder peso, mas nem sempre isso significa um emagrecimento saudável.
Isso porque, a longo prazo, as privações são entendidas como um risco por nosso organismo, que busca maneiras de se defender. Uma dessas ferramentas é a secreção de cortisol, hormônio que acaba por degradar a estrutura muscular do nosso corpo.
O problema é que a nossa estrutura muscular é responsável por manter o organismo metabolicamente ativo, ou seja, são os tecidos musculares que aceleram o nosso metabolismo para a perda de peso.
No fim das contas, o período de restrição pode ser um tiro no pé: ao perder peso de forma agressiva, eliminamos também os músculos. Quando recuperamos o peso, acabamos acumulando gordura.
Verdade: As dietas da moda são, na melhor das hipóteses, ineficazes.
De superfoods a shots matinais para melhorar a imunidade, todos os dias existe uma novidade milagrosa que promete a perda de peso - mas isso nem sempre é o melhor caminho para a sua saúde. Para Fassini, muitas vezes o excesso de informação e de “protocolos salvadores”, como o jejum intermitente, tira o foco das estratégias que realmente melhoram a nossa relação com a alimentação.
“A gente precisa prestar atenção em como isso pode se tornar um distúrbio alimentar. O jejum intermitente é uma dieta baseada em uma limitação de tempo, e não na melhora da qualidade da composição nutricional. A pessoa se priva e, ao voltar a comer, pode não ter nenhum controle da qualidade e quantidade do que está sendo consumido”, explica.
Segundo a nutricionista, o que existe de evidência científica em relação à alimentação está relacionado à individualização do cuidado e das orientações.
Ou seja, para cada pessoa será recomendado um plano alimentar de acordo com as suas necessidades, os seus objetivos e o seu histórico de saúde.
Pesquisas demonstram também que não é uma estratégia específica mas um conjunto de ações que vai nos proporcionar uma composição alimentar mais adequada e, portanto, benefícios para a nossa saúde de forma integral.
“A gente precisa aprender a respeitar os nossos sinais de fome e saciedade. Não existe comer de três em três horas nem fazer jejum intermitente. Os horários de alimentação são individualizados e únicos; vão depender da rotina, do metabolismo e das questões genéticas de cada um.”