Cores, personagens, descrições encantadoras. Esses são alguns ingredientes que atraem as crianças e maquiam as altas porções de gorduras, açúcares e sal dos alimentos ultraprocessados. Eles acabam afastando os pequenos do consumo dos alimentos naturais.
Quem é responsável pela formação de hábitos alimentares durante a infância entende a complexidade da batalha entre a comida de verdade e as tentações coloridas dos refrigerantes, macarrão instantâneo, salgadinhos, biscoitos recheados, papinhas, entre outros.
Há uma compreensão da literatura científica sobre os malefícios dos ultraprocessados na dieta de adultos, mas pela primeira vez a Ciência comprovou que a preocupação dos pais ao redor do mundo em relação a ultraprocessados na infância é válida.
Um estudo publicado neste ano pela revista científica JAMA (Journal of the American Medical Association), acompanhou cerca de 9 mil crianças nascidas na década de 1990, da cidade de Bristol, na Inglaterra, por 17 anos, e concluiu que pessoas que consomem mais alimentos ultraprocessados na infância se tornam adultos menos saudáveis.
A pesquisa apontou que os padrões alimentares estabelecidos na infância se estendem à fase adulta. Sendo assim, quanto maior a participação dos ultraprocessados nos alimentos na dieta da criança, maior será o efeito negativo em sua vida adulta.
Durante o estudo, os pesquisadores dividiram as crianças em cinco grupos e acompanharam a ingestão de ultraprocessados ao longo dos anos. No grupo que mais consumia esse tipo de alimento, as crianças apresentavam pior ganho de peso na infância, com alta no índice de gordura.
Esse padrão alimentar foi um caminho para colaborar com uma série de condições de saúde na fase adulta como a obesidade e, consequentemente, doenças como diabetes e até cânceres.
O pediatra do Time de Saúde da Alice Daniel Rocha destaca que, para evitar esse cenário, o primeiro passo é rever o cardápio de toda a família e ressignificar o que é o alimento natural para todos e não exclusivamente para a criança.
Ou seja, o próprio adulto precisa encarar o desafio de um paladar e comportamento acostumados com o ultraprocessado.
“Quando a criança cresce com uma experiência de se alimentar com a família, com um cardápio feito para todos, e não apenas para ela, a experiência de comer é positiva. Ao encontrar e partilhar na mesa de casa alimentos in natura ou minimamente processados, ela terá um relacionamento com eles com maior facilidade ao longo do seu crescimento e criará boas experiências”, explica o pediatra.
A introdução de alimentos ultraprocessados para crianças também prejudica a compreensão do ato de se alimentar: a descoberta de variedades, texturas, sabores, temperos.
“Os alimentos naturais promovem a longo prazo um aprendizado da relação do que é fome e saciedade, além de formar o paladar, aspectos fundamentais para a boa relação de um adulto com a alimentação”, aponta Daniel Rocha.
O pediatra explica que esse processo de descoberta é importante para construir uma consciência alimentar, que ao longo do tempo, vai trazer para a criança e consequentemente para um adulto uma melhor compreensão de seus gostos.
“É uma relação diferente de um produto ultraprocessado, que via de regra tem alto teor de sal, gordura e açúcar além de vários produtos químicos para manter cor e crocância, por exemplo, aumentando a aceitação pelo público e o tempo de validade do produto. Dá pra imaginar o resultado: a saciedade demora a chegar e ingerimos aditivos que impactam o desenvolvimento do organismo da criança, além de influenciar em outras condições de saúde.”, analisa.
Mas não vai ter brigadeiro?
A ingestão de açúcares faz parte do debate da alimentação dos pequenos. E sai do campo científico para entrar na relação da sociedade com os doces através das gerações. Porém, as guloseimas devem ser vistas como ponto de atenção e também participantes do grupo de ultraprocessados.
De acordo com o pediatra Daniel Rocha, atualmente os pais têm consciência de evitar o açúcar pelo menos até os dois anos de idade, mas ainda é necessário reforçar o porquê dessa escolha, que deve ser mantida ao longo da infância.
Outro fato que influencia negativamente no cardápio da criançada é lidar com as crenças de amigos e familiares de que doces e ultraprocessados não prejudicam a saúde, impulsionado pela longa tradição de marketing e publicidade desses alimentos.
“A clássica decisão de ter ou não brigadeiro na festa de 1 ano é uma dessas situações em que os pais precisam fazer escolhas, que vão além da criança para a sua comunidade, e geram debates com viés cultural e de tradições familiares. Mas o que vale é a reflexão: se há uma alternativa mais saudável e gostosa, por que não tentar?”, questiona o pediatra.
Daniel Rocha aponta que os dias atuais são mais convidativos para as alternativas.
“Na internet, no mercado, nas conversas entre familiares e amigos, hoje as alternativas para o doce e os outros produtos ultraprocessados são fáceis de serem acessadas. Das festas infantis à rotina alimentar da família, tudo é um convite para que crianças e adultos redescubram seu paladar a partir de novas escolhas.”
A busca pela praticidade
O profissional de saúde aponta que além de incentivar que a família ajuste seu cardápio e não só o da criança, desde a introdução alimentar, com o mínimo de sódio possível e evitando o ultraprocessado, é preciso pensar na relação de praticidade.
“O alimento ultraprocessado entra no momento que a família está se adequando a uma nova realidade. O tempo é escasso e aquele alimento, como as papinhas ou os leites em pó, vêm como solução rápida. "Há outras soluções que custam menos e são mais saudáveis, como preparar e congelar feijão, legumes e verduras em forminhas de gelo e desenformar na quantidade para uso no dia a dia na hora da refeição.” explica Daniel Rocha.
Ainda que surja o mito que os ultraprocessados são mais acessíveis, de acordo com o Guia Alimentar para a População Brasileira, o custo total de uma alimentação baseada em alimentos in natura ou minimamente processados ainda é menor no Brasil do que o custo de uma alimentação baseada em alimentos ultraprocessados.
Atenção às compras
Uma outra situação que pode ser benéfica para a família são as escolhas do que colocar no carrinho de compras.
Trocar a gaveta de comidas rápidas, que por exemplo, incluem macarrão instantâneo, sopas instantâneas, salsichas, refeições prontas, como lasanha ou papinhas prontas, por alternativas como alimentos cozidos e a vácuo, legumes pré-cortados, folhas já higienizadas, legumes cozidos e congelados trará a mesma praticidade e uma alimentação mais saudável.
Preparo em família
Preparar e se reunir para fazer uma refeição em família pode ser um desafio, mas a longo prazo traz benefícios para crianças e adolescentes, que irão associar o momento de família com bons hábitos e a importância de refeições regulares.
Além disso, introduzir os pequenos e toda a família nas atividades relacionadas à preparação de refeições pode fortalecer esse vínculo com o hábito alimentar.
Esse processo é essencial para que o ato de cozinhar tenha uma mensagem positiva e não crie uma carga de trabalho exclusivamente para um dos membros da família.
Como diminuir a presença dos ultraprocessados na família
- Snacks saudáveis: o lanchinho da tarde não precisa ser feito de biscoitos ou salgadinhos. Troque por: frutas frescas ou secas; leite; iogurte natural; castanhas ou nozes. São todos alimentos com nutrientes e grande poder de saciedade, além de serem práticos para transportar e consumir.
- Diversifique com legumes e verduras: eles trazem cor e podem ser utilizados em saladas, em preparações quentes (cozidos, refogados, assados, gratinados, empanados, ensopados), em sopas e, em alguns casos, recheados ou na forma de purês.
- Delivery: quando comer fora de casa, prefira restaurantes que servem “comida feita na hora”.
- Seja amigo do tempo: para reduzir o tempo dedicado à aquisição de alimentos e ao preparo de refeições, planeje as compras, organize a despensa e defina com antecedência o cardápio da semana.
- Compartilhe conhecimento: se você tem habilidades culinárias, procure desenvolvê-las e partilhá-las com as pessoas com quem você convive, principalmente com crianças e jovens.